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Os inusitados duma cidade sul baiana. “A OMENAGEM”

Por Mohammad Jamal.

O atabaque de Atobah furou de novo. Quem foi que disse que o raio não cai duas vezes no mesmo? Cai sim, sou prova disso! Vejam isso. Hoje eu levantei madrugadinha pra cumprir um carreto. Tinha que ir buscar umas bananas e uns jenipapos lá pelas bandas da serra da Carobeira; estrada ruim, cheia de buracos, ladeiras e precipícios. Precavido, fui conferir, fazer o check-out da minha caminhonete Willis 1962, “Flex”, gás de cozinha e diesel; carroceria de madeira e freios “Valei-me Senhor do Bom fim”. Topei o bujão de gás vazio e o tanque só com meio litro de diesel. A seco ela não trabalha.

NÃO É FERRO VELHO: Estacionei a coitadinha ali nas docas e, por segurança, afixei no para brisas o aviso de sempre: NÃO É FERRO VELHO. AÍ vim ao banco tirar vinte contos de reis pra botar um dieselzinho pra a boneca rodar na buraqueira. O nome dela é Boneca; está grafado no para choques e no meu destino. Quando já vou saindo do caixa eletrônico com a grana no bolso; sou surpreendido por duas moças bonitas, fardinha colante, cheirosas, muito bem arrumadas que me barraram na saída. Assustado pensando ser a Gang das Liras, ainda quis correr, mas fui seguro por uma delas, a mais gostosa, com uma voz macia e tranquilizante, me trouxe à calma com a seguinte frase: “_ Calma moço! Somos da Comissão!”.

Eu, _ Comissão? O que é isso Dona? _ “Somos da Comissão de Captação de Recursos! Recursos para a festa de agradecimento e homenagem ao Prefeito! O senhor não sabe?” – Aí ela passou a falar sem parar, mas eu só via mesmo eram aqueles dois mamões redondinhos ali na minha frente, quase pulando pra fora que ninguém é de ferro – “_Toda a cidade está colaborando muito; todos estão empenhados em demonstrar o reconhecimento pelo excelente trabalho desse governo pelo progresso de Ilhéus e bem estar do seu povo… _Vai ser uma festa memorável que certamente irá para os anais da história política de Ilhéus; um merecido e justo prêmio, um galardão que o povo em ufanismo, oferece ao seu governante… Tem gente dando muito! Outros dão aquilo que gostam e que podem dar!”… – (o meu eu não dou não, mas quá! Nunca dei!).

Coagido, estava a ponto de dar, mas… Elas_… “Pode ser qualquer coisa; dinheiro; terrenos; ternos importados; TVs de 52 polegadas; carros; trufas, caviar, salmão defumado, champanhe francesa; Scotch 15 anos; camisas do Esporte Club Bahia, porque que ele gosta e torce muito por esse time. Nós estamos incumbidas dessa honrosa missão! O nome do senhor estará inscrito no Livro de Ouro e, se ainda tiver lugar, o senhor poderá vir a receber um convite para o Jantar Solene e o Sarau a pagode e Funk! Viu que beleza de festa? Um “Bota Fora” de fazer inveja à oposição! Imagine a transmissão de cargo para o novo prefeito?” – Aí ela me olhou seria no fundo dos olhos e, concluiu -… _ “O que é que o senhor vai ter o prazer de dar? Estamos esperando!”.

Dançando o Samba do Crioulo Doido em cima das brasas. Atônito, ainda tonto com tamanha eloquência daquelas promoters palacianas ainda zunindo em minha cabeça; arrisquei: _ Moça, eu sou pobre; pego carretos com uma caminhonete Willis 1962, bem doentinha, que ainda estou pagando as parcelas do consórcio! – e veio mais pressão -.  “_ Ah! O senhor não vai perder essa chance de colaborar e mostrar seu contentamento para com o prefeito vai?”.

Chapeuzinho Vermelho uma ova. Raposas! Pensei cá com meu colhões; Tá ruim; estou cercado por duas raposas esfomeadas doidas pra dar pro homem que é muito chegado! Danou-se!  Más como já dizia meu avô “são nas situações críticas, pulando a janela e nas sinucas de bico que o homem desperta sua inventividade”; arrisquei de novo: _Eu ate tirei um dinheirinho pra pagar os dez litros de diesel que comprei ali no posto Herval pra abastecer a caminhonete; são dez litros de diesel que eu não posso devolver nem deixar pendurado no fiado do posto! Aí elas, em uníssono: _ Ótimo! Serve sim! O senhor vai dar tudo? Eu: “_ Não, moça! Só posso doar oito litros de diesel. Vamos ate a minha camionete que eu vou colocar num vasilhame pra vocês levarem. Dá logo o Livro de Ouro pra eu assinar, que eu preciso viajar lá pra Carobeira pra pegar um carreto”.

Já antevendo o churrasco de carne gorda. Coloquei o diesel numa bambona plástica que tive o cuidado de limpar a sujeira e, ate meio orgulhoso; entreguei o combustível ás duas gatinhas da Comissão do Bota Fora do prefeito. Elas me agradeceram muito; deram-me um beijinho formal nas faces suadas e saíram bamboleando aqueles quadris acima das parrudas poupanças rotundas.

O piromaníaco esqueceu a pomadinha pra assaduras. Mas inda ficou uma coisa martelando minha consciência. Um desconforto atávico como seu eu houvesse subtraído alguma coisa ou omitido algo que deveria ser revelado ou dito… Foi aí, antes que elas dobrassem a próxima esquina e saíssem do meu campo de visão, que me ocorreu enfiar a mão nos bolsos onde encontrei duas caixas de fósforos Guarani. Era isso! Gritei chamando as promoters de volta, que atenderam de pronto o meu chamado.

Eu: “_ Moças bonitas! Desculpem o mau jeito! Mas é que esqueci algo importante que vai valorizar ainda mais a minha humilde doação”. E tirei do bolso uma caixa de fósforos novinha em folha, cabaço. Os olhos delas brilharam com objeto tão prosaico e ao mesmo tempo transcendental quando junto a materiais combustíveis, a magia da caixinha de fósforos as fez sorrirem satisfeitas.

Imagina? Eu dei! Eu _ Tomem moças! Levem os fósforos também! Não se esqueçam de acrescentar à minha doação? Vá que desejem carne assada, uma cremação ou flambar alguma coisa ou alguém… Não vão ficar esfregando um pau no outro pra obter fogo não é. Olhe os fósforos aí… E fui embora todo ufanista e me achando, pegar meu carreto lá na Carobeira. Fiz a minha parte cidadã! Ou não?

Mohammad Jamal é escritor.

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