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Consumido pela mídia. Reflexões sobre as vulnerabilidades humanas. O mórbido.

Ilustração: BBC.

 

Por Mohammad Jamal.

As pessoas que me leem sempre perguntam por que escrevo assim? Parece-lhes incompreensível que eu mergulhe em tópicos tão existenciais das realidades e vivências humanas. Sobre temas tão diferentes, porém, sem nunca me distanciar das relações do ser com o ser; do ser com o ter; suas vulnerabilidades, frustrações, delírios megalomaníacos, depressões, tristezas e, invariavelmente, sobre os confrontos íntimos às vezes amargos, das perdas e achados das realidades existências intermitentes e alternantes entre as dolorosas, outras patéticas, algumas burras e risíveis presentes nas catarses relatadas em minhas Reflexões ficcionais. Sobre… O ser?

O campo extremamente fértil das relações humanas é onde encontro os elementos que dão inspiração e sustentabilidade à nossa literatura do cotidiano. Sem nenhum pudor, confesso, sou plateia cativa desse ambiente; um dependente virtual das reatividades proativas interpessoais dos sentimentos alheios; da filosofia e da moral coletivas. O comportamento humano é um Atlântico de inspirações e auto aprendizado. Ainda estou tateando no meio das estrofes desse Mahabharata humano que não me canso de ler avidamente.

A nossa consulta de ontem com o doutor Sigmund Silva Santos dos Anjos, psiquiatra, SUS. Foi assim. Recebeu-me ainda rabiscando seus papéis da consulta anterior e, lascou de lá:

_ Você é mórbido? O que foi que você comeu hoje? Sendo mais objetivo; o que foi que você colocou para dentro da sua mente; que agregou às suas memórias, impregnou sua impressionabilidade? Quais elementos que, transmitidos por mídias diversas ou mesmo lendo uma obra literária preferida, tragédia, drama, etc. capazes de despertar emoções você leu? O que foi que você colocou conscientemente para dentro das suas emoções que fará, por emocionalmente indigeríveis, assombrar seu subconsciente?

Com quem você conversou? Quais foram os assuntos? Quais livros você leu? Quais os blogs e sites obituários das mortes da pandemia você literalmente consumiu todas as informações? Você anotou as estatísticas, os índices terríficos das probabilidades futuras? Guardou na memória a imensa lista das cidades, vilas e arruados sem transporte? Quais os programas e estações de TVs você assistiu? Viu o Datena? Você anotou todas aquelas estatísticas de mortos, dos quase mortos, dos encomendados no Check-in, no pré-embarque; no prelo? Se ingeriste isso, então você alimentou seu espírito muito mal, com algo podre e em avançado estado de decomposição. Sua morbidade interior está bulímica, insaciável por notícias e informações trágicas, fatais, não obstante inúteis do ponto do vista informativo, contributivo, esclarecedor. Você não é um papa-defunto, um vampiro, mas carrega a morbidade a tiracolo. Ela tem fome de tragédias.

Você tem medo da morte? Ou o medo da agonia, do isolamento, da solidão social, da tristeza advinda daquela sensação de abandono; porque ninguém morre aos pares, entre amigos ou parentes durante naquelas conversas alegres e outras constrangedoras. Todos nós sabemos que o processo de evolução física tem como base a morte. O homem nasce só e morrerá solitário sem ninguém para lhe reconfortar ante os medos das improbabilidades do desconhecido. Refiro-me àquele lapso de tempo quando nosso cérebro para de funcionar e tudo se apaga. A hora H; nessa hora não haverá ninguém por perto, ou mais precisamente, querendo ou não; não haverá ninguém segurando suas mãos ou ti esperando do outro lado para o abraço amigo na imaterialidade, porque sobre esse outro lado desconhecido, nada sabemos.

O ser humano é resultado de sua hereditariedade física e social, logo, em cada geração vivida, o homem recebeu características, hábitos e demais transformações genéticas. Todos nós também sabemos que o processo de evolução física tem como base a morte. O ser humano tem data de fabricação; prazo de validade e data aproximada de descarte. O homem jamais escapará da finitude, mesmo sendo ele político, milionário, autoridade suprema, célebre, famoso ou ladrão. Vai morrer igualzinho ao Zé lá do Rombudo de Baixo, que vivia feliz tomando suas canas nos finais de semana, dançando e comendo as meninas de poucas roupas do R$1,99. Ele também amaldiçoava a morte, mas vivia num mar de felicidade e alegria não obstante a sua pobreza franciscana. Morreu. Foi tudo simples e rápido, sem médico à cabeceira, sem UTI, e as porras. Peidou e morreu! Só isso. O Zé comia as minas; essas notícias não. Pra servem?

O senhor é sociólogo? É virologista, infectologista, cientista da bioquímica, pesquisador, político? É dono de alguma indústria farmacêutica, é deputado? É ladrão? Só a eles interessam essas informações mortiças. A uns pela vida, a outros pelos bons negócios. Seu nome, por favor?

Eu_ Mohammad.

Ah! Temos aqui um talibã, um homem bomba, um insurgente pronto para explodir e mandar tudo pelos ares, engordar as estatísticas, fabricar notícias e tornar-se mártir, célebre! Cai fora vai.

Próximo! Ficha 96.

Mohammad Jamal é colunista do Ilhéus Comércio e do Blog do Gusmão.

1 Comment

  1. José Clóvis T. Lunardi

    19 de julho de 2020 at 22:51

    Instigante, exuberante e de uma sensibilidade atroz.

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