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Editorial: Governo Marão tortura números da covid-19

Editorial do Ilhéus Comércio.

O governo pendurou os números da covid-19 em Ilhéus num pau de arara. Açoitados de ponta-cabeça, confessam o que o prefeito Mário Alexandre (PSD) quer ouvir.

A ofensiva estatística começou no programa O Tabuleiro, da Ilhéus FM. Naquela terça, 12 de maio, Marão comparou os dados de Ilhéus com os de Itabuna. Endossadas pelo governador Rui Costa (PT), as contas do prefeito ignoraram a diferença gritante de testes feitos nas duas semanas anteriores. O Ilhéus Comércio publicou reportagem sobre o episódio – leia aqui.

Na última terça-feira (19), em entrevista ao portal Ilhéus Eventos, Marão reapareceu com números ainda mais convencidos do controle que o governo exerce sobre a situação:

– Começamos muito preocupados, porque nós tínhamos um crescimento, no início do problema do coronavírus, em trinta por cento de avanço por dia. Hoje nós temos uma faixa, com as medidas que nós tivemos, de 2.8 por cento.

O prefeito contorce os indicadores da crise. Os números esperneiam, mas as amarras do sofisma estatístico que os tortura são frouxas. O que Marão chama de taxa de crescimento é, na verdade, a variação da quantidade de testes positivos que Ilhéus obteve de um dia para o outro. Essa retórica frágil tenta reduzir o espalhamento do vírus aos casos comprovados de infecção.

No discurso do governo, a lógica da pandemia funciona assim: se Ilhéus tinha 95 casos confirmados em 22 de abril e 127 no dia seguinte, a taxa de crescimento naquelas 24 horas foi de 33.6%. Portanto, se o município registrou 373 testes positivos até a última terça-feira (19) e chegou a 385 na quarta (20), o aumento foi de 3.2%.

Os boletins da covid-19 em Ilhéus nos dias 22 e 23 de abril e 19 e 20 de maio. Clique aqui para ampliar a imagem.

A tortura matemática permitiu ao governo concluir que “a taxa de crescimento da transmissão do novo coronavírus no município de Ilhéus é dez vezes menor nesta semana, de acordo com informações reveladas por estudos epidemiológicos realizados pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesau)”, conforme matéria publicada ontem no site da prefeitura.

A conta do governo não nos aproxima da realidade, porque não temos o volume de exames que pudesse diminuir o avanço da subnotificação dos casos. Sem a testagem massiva da população, olhamos sempre para um cenário defasado da pandemia. Não sabemos quantos novos infectados perdemos para cada diagnóstico concluído.

Portanto, reduzir o crescimento de casos ao número diário de testes positivos – feitos em ritmo lento – é como tentar delimitar um universo em franca expansão com meios mais limitados a cada dia. Dessa forma, os limites do território que tentamos estimar sempre extrapolam os do mapa desenhado diariamente.

As estimativas feitas com o mínimo de rigor trilham outros caminhos. No túnel escuro da pandemia, podemos acender uma vela estimando o total de casos subnotificados. De acordo com estudo do Imperial College analisado pelo biólogo e divulgador científico Atila Iamarino, o Brasil perde, em média, nove entre dez casos (90%). Na mesma análise, ele estima que o país pode ter uma taxa de letalidade de 0.7%.

Tendo como parâmetro a média de subnotificação no país, se Ilhéus perdeu 90% dos contágios, o total de casos resulta da multiplicação dos 385 testes positivos concluídos até quarta-feira (20) por nove: 3465.

Outro parâmetro é a taxa de letalidade. A de Ilhéus, atualmente em 5.1%, é distorcida pela grande subnotificação. Dessa forma, para estimar os casos com uma proporção de letalidade menor e mais realista, usamos outra vez a estimativa do indicador nacional. Se as 20 mortes representam 0.7% dos infectados, 2857 pessoas tiveram contato com o vírus no município.

A diferença entre as duas estimativas pode indicar que Ilhéus perde menos casos por cada diagnóstico e, desse modo, identifica mais do que 10% dos infectados. Ou que a letalidade do vírus no município é menor do que 0.7% e, portanto, o total de casos é maior do que 2857.

As duas estimativas são positivas, dentro do limite de positividade que as circunstâncias impõem, pois sugerem que o município tem indicadores melhores do que a média nacional, tanto no controle como no tratamento dos casos.

Nenhum dos dois cenários, contudo, permite dizer que “a taxa de crescimento da transmissão do novo coronavírus no município de Ilhéus é dez vezes menor nesta semana”, conforme noticiou a prefeitura, citando um indicador que sequer pode ser obtido com os dados disponíveis, como demonstramos acima.

Dessa forma, ao interpretar e comunicar oficialmente os dados sobre a epidemia em Ilhéus, o prefeito e seu governo produzem desinformação.

Diante dessa falta de responsabilidade com as informações, a imprensa deve manter postura crítica, mesmo que isso implique em ser apontada como portadora da má notícia.

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