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Provas e especialista desmentem Prefeitura de Ilhéus, que usou recursos da Covid antes de publicar lei e decretos

Ouvido pelo site, o especialista em contabilidade Uildson Nascimento afirma que a resposta da prefeitura à matéria do Ilhéus Comércio é “frágil, insiste na incompetência” e tenta intimidar o trabalho jornalístico.

Nas imagens, Uildson Nascimento, um processo de pagamento feito em 14 de abril e a lei de abertura de crédito especial publicada em junho.

Na segunda-feira, 24, o Ilhéus Comércio informou que o prefeito Mário Alexandre (PSD) pode ser afastado do cargo por suspeita de crime de responsabilidade. Os documentos apresentados na matéria indicam que o alcaide pode ter violado a legislação financeira, ao usar os recursos para o combate ao novo coronavírus, supostamente, sem decretar a abertura de créditos extraordinários. Esse suposto crime de responsabilidade pode afastá-lo da prefeitura, caso a Justiça aceite eventual denúncia contra o gestor.

Na reportagem abaixo, além de trazer a resposta do governo à matéria do site, apresentamos documentos que desmentem o texto da prefeitura, que, sim, utilizou recursos da Covid-19 de forma irregular, pois não decretou a abertura de créditos extraordinários.

A resposta do governo apareceu ontem (25) no site do município, com o título: “Prefeitura de Ilhéus rebate falsa notícia de suposta irregularidade do uso de recursos Covid-19”. Reproduziremos a publicação oficial na íntegra ao final deste texto. Antes, vamos demonstrar, com documentos, que a primeira matéria do site se baseou em provas e na legislação vigente. Demonstraremos também que, ao invés de assumir seus erros, os auxiliares do prefeito Mário Alexandre dobraram a aposta na “incompetência”, conforme definição do ex-secretário de Saúde de Itabuna, Uildson Nascimento, apresentada ao repórter do Ilhéus Comércio, na manhã desta quarta-feira, 26, em conversa no aplicativo Zoom.

Na primeira matéria, informamos que o decreto de abertura de crédito extraordinário é o instrumento previsto na Lei 4.320/64 para legitimar a realização de despesa imprevista e urgente, em determinadas circunstâncias, como a situação de calamidade pública provocada pela pandemia viral em curso – e reconhecida oficialmente pelo prefeito Mário Alexandre Correa de Sousa em decreto. O que diz o governo sobre isso?

Segundo a nota da prefeitura, “a ação de enfrentamento da emergência de Saúde Pública do coronavírus (Covid-19) e a respectiva contabilização dos recursos daí originados podem ser feitas através de crédito adicional especial ou extraordinário, conforme o recomendado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) por meio da Nota Técnica SEI nº 12774 de 2020 do Ministério da Economia, pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e pela Confederação Nacional de Municípios (CNM)”.

Para Uildson, a afirmação do governo indica “desconhecimento da Lei 4.320/64 e dificuldade para interpretar o texto da Nota Técnica da Secretaria do Tesouro Nacional”.

O texto da prefeitura cita o documento do órgão ligado ao Ministério da Economia, mas, não se vale do seu conteúdo para demonstrar se, de fato, ele recomenda o uso “de crédito adicional especial ou extraordinário”. Na verdade, de acordo com Nascimento, a nota técnica diz justamente o contrário, pois reforça as especificidades que diferenciam os créditos adicionais, nos termos da Lei 4.320. Vamos à lei e à nota.

Na primeira página, ao tratar da “gestão do orçamento para o enfrentamento da pandemia”, a nota do ministério começa pela Constituição Federal (art. 62, art. 167) e chega à Lei n º 4.320/1964, apresentando justamente os artigos que tratam das “modalidades de créditos adicionais”.

Em seguida, o texto lembra que o estado de calamidade pública provocado pela pandemia e reconhecido pelas três esferas de governo leva ao entendimento de “que a emergência de saúde pública ora em análise se amolda às hipóteses autorizadas pela legislação para a abertura de crédito extraordinário”.

Depois, a nota técnica apresenta as especificações, previstas na Lei 4.320/64, para o uso do crédito extraordinário, antes de descartar a hipótese de que a necessidade de uso dessa espécie de crédito adicional seria “descaracterizada” pelo fato de ser possível “indicar, ao menos em parte, os recursos disponíveis para a abertura do crédito adicional”.

“Considerando que o intuito da legislação ao dispensar a indicação dos recursos foi facilitar a abertura do crédito para atendimento de despesas dado seu caráter de imprevisibilidade e urgência”, concluem os técnicos do Ministério da Economia, “a mera possibilidade de indicação do recurso não inviabiliza a abertura do crédito extraordinário ou exige a utilização de outra modalidade (especial ou suplementar). Dito de outra forma, a legislação não veda a indicação dos recursos para a abertura do crédito extraordinário, quando tal indicação for possível”.

Clique aqui para acessar a nota técnica do Ministério da Economia e aqui para baixar sua respectiva atualização (que não foi mencionada na resposta da prefeitura).

Como informamos na primeira matéria, a Lei 4.320 (artigo 41, inciso III) estabelece que antes de executar “despesas urgentes e imprevistas” no orçamento, o gestor deve abrir um crédito extraordinário e informar sua abertura imediatamente ao Poder Legislativo. “Além de não apresentar na resposta os decretos com a abertura dos créditos extraordinários, o governo não admite que errou ao usar o crédito adicional especial e dobra a aposta nessa modalidade, alegando que ela dá mais transparência ao uso dos recursos, uma vez que depende de aprovação da Câmara de Vereadores. Sinceramente isso nem é um argumento jurídico. Duvido muito que o governo diga isso ao Tribunal de Contas”, avalia Uildson Nascimento.

Segundo Nascimento, a prefeitura afirma haver essa possibilidade de escolha “como se o legislador tivesse criado os créditos adicionais distintos, com seus requisitos e destinos próprios, para que o gestor público escolhesse qual usar, de forma discricionária, mesmo ao arrepio da Lei 4.320/64 e do princípio constitucional da legalidade. Não existe a possibilidade dessa escolha. O dispositivo correto é o crédito extraordinário. O governo deveria assumir que errou por incompetência”, afirma o técnico em contabilidade, que também foi diretor de planejamento da Secretaria de Saúde de Ilhéus na gestão atual.

A nota da prefeitura diz ainda que: “O Município de Ilhéus somente praticou a despesa dos recursos recebidos, após o regular procedimento legislativo que autorizou o gasto, não havendo, dessa forma, qualquer ilicitude”.

O que o governo chama de “regular procedimento legislativo que autorizou o gasto” é a publicação da Lei n. 4.061, no dia 2 de junho, que autorizou a abertura de crédito adicional especial para as despesas de enfrentamento à epidemia. No entanto, reafirma Uildson, “o procedimento legislativo não foi regular, pois não usou o instrumento correto previsto em lei, ou seja: o crédito extraordinário”.

E o que diz a lei proposta pelo governo e aprovada pelos vereadores de Ilhéus? Segundo o seu Artigo 5, a abertura dos créditos especiais deve ocorrer por meio de “Decreto do Poder Executivo”. Ora, o próprio município informou ao TCM que não fez esse tipo de decreto – veja no documento oficial neste link. Portanto, mesmo se a modalidade correta de crédito adicional fosse a especial (e não é o caso), a legislação financeira determina a utilização do decreto. Esse comando está na lei municipal citada e no artigo 43 da Lei 4.320/64: “Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo”.

O município publicou a lei com a abertura de crédito especial no dia 2 de junho. Antes disso, no entanto, ao contrário do que diz a nota da prefeitura, o governo fez pagamento com os recursos recebidos do Ministério da Saúde para o combate ao vírus, como vamos demonstrar nos documentos abaixo.

A primeira imagem mostra resultado de consulta ao site do Fundo Nacional de Saúde, que registra a transferência conhecida como “fundo a fundo”. Ela mostra a ação detalhada (“CORONAVÍRUS”) e duas operações bancárias, sendo uma delas a de transferência de R$ 3.268.956,97 para a conta de custeio do Fundo Municipal de Saúde.  O número 104 informa que se trata da conta do governo (62240475) na Caixa Econômica Federal. A operação foi feita no dia 9 de abril de 2020. (Caso esteja lendo no celular, você pode ver os dados melhor neste link).

Extrato da consulta ao site do FNS referente ao mês de abril, especificando a destinação dos recursos para o enfrentamento do novo coronavírus.

Agora vamos ver o pagamento de R$ 270.750,00, feito pela Secretaria de Saúde de Ilhéus, em 14 de abril de 2020, à empresa OKEY MED DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTO HOSPITALARES E ODONTOLOGICO LTDA. Como demonstram a imagem (abaixo) e o documento neste link, o município usou dinheiro da fonte 14, que identifica a origem da transferência de recursos do Sistema Único de Saúde.

Imagem do documento fornecido pela prefeitura ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia.

A próxima imagem (do mesmo processo de pagamento) mostra que o recurso foi usado já no contexto do enfrentamento da epidemia.

Pagamento de 270 mil reais para a compra de luvas para o combate da epidemia.

O próximo documento trazido por esta reportagem é o extrato bancário de abril, que mostra o recebimento da transferência dos R$ 3,2 milhões (citados acima) no dia 13 daquele mês.

Trecho do extrato bancário de abril mostrando a transferência de R$ 3,2 milhões recebida pelo Fundo Municipal de Saúde.

Na imagem seguinte, o pagamento de R$ 270.750,00, o único desse valor feito no dia 14 de abril de 2020 – informação importante, já que, talvez por erro de redação, o governo Mário Alexandre não informa o nome do credor beneficiado. Veja.

O único pagamento de R$ 270.750,00 feito pela conta citada no dia 14 de abril.

Acesse aqui o extrato completo – as informações citadas acima estão entre as páginas 142 e 143 do arquivo PDF.

Além do mais, de acordo com Uildson Nascimento, “como a Lei Municipal 4.061 não é o instrumento correto para abrir os créditos extraordinários, que dependem de decretos do Poder Executivo, todas as despesas pagas com os recursos de combate à epidemia, antes da vigência da LEI MUNICIPAL (02.06.2020), são irregulares, pois não cumpriram a exigência de previsão legal. Enquanto a lei autoriza a despesa (ato autorizativo), o decreto executivo determina como ela vai ser realizada. São dois atos diferentes exigidos pela legislação financeira”.

Por fim, o ex-secretário afirma que a reportagem do site se pautou em documento, enquanto a resposta da prefeitura “é uma frágil tentativa de desqualificação” do trabalho jornalístico.

A nota divulgada pela Prefeitura de Ilhéus segue abaixo – mantivemos os erros ortográficos para preservar a integridade do texto oficial.

Prefeitura de Ilhéus rebate falsa notícia de suposta irregularidade do uso de recursos Covid-19

Ao contrário do informado em site noticioso de suposta violação pelo Município de Ilhéus sobre uso de recursos destinados à pandemia da Covid-19 pelo não decreto da abertura de créditos extraordinários, o ente municipal seguiu e segue a legislação e todos os procedimentos legais financeiros, recaindo o veículo de comunicação em Fake News pelo equívoco em falsa notícia levada à público.

A Procuradoria-Geral do Município de Ilhéus rebate com veemência a falsa notícia que, segundo o órgão, foi formulada maliciosamente. “Será alvo de decisão judicial nos próximos dias, para evitar que se propaguem falsas informações nos meios noticiosos que em nada contribuem para o município, nem para a população”, declarou o Procurador-Geral, Jefferson Domingues.

Isto porque a ação de enfrentamento da emergência de Saúde Pública do coronavírus (Covid-19) e a respectiva contabilização dos recursos daí originados, podem ser feitas através de crédito adicional especial ou extraordinário, conforme o recomendado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) por meio da Nota Técnica SEI nº 12774 de 2020 do Ministério da Economia, pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). A legislação específica, Lei 4.320 de 1964, institui que além de extraordinários e suplementares, os créditos adicionais também se classificam em especiais, aqueles para despesas que não haja dotação orçamentária específica, como é o caso, a serem autorizados por Lei e abertos por Decreto Executivo.

É nesse sentido que em decorrência do Município de Ilhéus ter recebido recursos para aplicação em despesas no combate à pandemia, que foi publicado no Diário Oficial do Município a Lei nº 4.061, em 02 junho de 2020, com as dotações específicas para o enfrentamento da emergência Covid-19 e a autorização da abertura de crédito adicional especial, conforme ser verificada no  link: https://www.ilheus.ba.gov.br/abrir_arquivo.aspx?cdLocal=12&arquivo={4B5737CB-6B1E-785B-CA66-50DC266CBE0B}.pdf. Assim, foi garantida maior transparência junto à Casa Legislativa para análise e aprovação das despesas praticadas, tendo em vista que por créditos extraordinários, a gestão apenas comunicaria à Câmara de Vereadores, enquanto como crédito adicional especial, dependeu de prévia autorização legislativa.

O Município de Ilhéus somente praticou a despesa dos recursos recebidos, após o regular procedimento legislativo que autorizou o gasto, não havendo, dessa forma, qualquer ilicitude.

A Prefeitura de Ilhéus preza pelo exercício democrático dos órgãos de imprensa, com uma informação de qualidade e com responsabilidade, sem a zona sombria da manipulação de determinados conteúdos com claro intuito de induzir e embrenhar os leitores e os cidadãos à erro.

Atualização às 12h54 de 28 de agosto de 2020.

Para o advogado Dimitre Carvalho Padilha, entrevistado ontem pelo site, o Ilhéus Comércio revelou “indício fortíssimo” de crime de responsabilidade contra o prefeito Mário Alexandre. Assista aqui.

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